Embriaguez ao volante: teste de alcoolemia não é indispensável

08/02/2012 - 17h16
EM ANDAMENTO

STJ começa a julgar legalidade de outros meios de prova, além do bafômetro, para atestar embriaguez

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a analisar um recurso que vai definir quais os meios de prova válidos para comprovar embriaguez ao volante. O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, considerou que o teste de alcoolemia não é indispensável para configurar o crime de embriaguez ao volante.

Para ele, a prova da embriaguez deve ser feita, preferencialmente, por meio da aferição do percentual alcoólico no sangue ou no ar expelido dos pulmões, mas esta pode ser suprida, por exemplo, pela avaliação do médico em exame clínico ou mesmo pela prova testemunhal, em casos excepcionais.

O caso está sendo julgado pela Terceira Seção, sob o rito dos recursos repetitivos, que serve de orientação para todos os magistrados do país, embora a decisão não seja vinculante. Bellizze explicou que as exceções estão caracterizadas quando o estado etílico é evidente e a própria conduta na direção do veículo demonstra o perigo potencial à incolumidade pública.

Acompanhou esse entendimento o desembargador convocado Vasco Della Giustina, mas um pedido de vista do desembargador convocado Adilson Macabu interrompeu o julgamento. Ele não tem prazo para trazer sua posição à Seção. O órgão volta a se reunir no dia 29 de fevereiro. Ao todo, aguardam para votar seis ministros. A presidenta da Seção, ministra Maria Thereza de Assis Moura, só vota em caso de empate.

Combinação letal

O ministro Marco Aurélio Bellizze, em longo e detalhado voto, resgatou as motivações que levaram o legislador ao endurecimento da norma penal contra o que chamou de combinação explosiva e letal – direção e álcool: a tentativa de dar mais segurança à sociedade.

Sustenta-se que a Lei 11.705/08 (Lei Seca), que alterou o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), trouxe uma elementar objetiva do tipo penal para caracterizar a embriaguez – inseriu-se a quantidade mínima de álcool concentrado no sangue, de 0,6 decigramas por litro ou equivalente, o que não se pode presumir, apenas aferir por exame de sangue ou teste de bafômetro.

“A denominada Lei Seca inegavelmente diminuiu o número de mortes e as despesas hospitalares resultantes de acidentes de trânsito”, afirmou. O ministro relator ponderou que não há direitos sem responsabilidades e que, entre eles, é necessário um justo equilíbrio. “Nem só de liberdades se vive no trânsito. Cada regra descumprida resulta em riscos para todos”, advertiu.

Quanto ao direito de não se autoincriminar (ninguém está obrigado a produzir provas contra si), Bellizze observou que em nenhum outro lugar ele ganhou contornos tão rígidos como no sistema nacional. Para o ministro, a interpretação de tal garantia tem sido feita de maneira ampliada. Nem mesmo em países de sistemas jurídicos avançados e com tradição de respeito aos direitos humanos e ao devido processo legal, como nos Estados Unidos, a submissão do condutor ao exame de alcoolemia é considerada ofensiva ao princípio da não autoincriminação.

Ônus de provar

“Trata-se de um exame pericial de resultado incerto. O estado tem o ônus de provar o crime, não se lhe pode negar meios mínimos de fazê-lo”, asseverou. “Condicionar a aplicação da lei à vontade do motorista é interpretação que leva ao absurdo”, emendou.

De acordo com o voto do relator, os exames técnicos de alcoolemia têm de ser oferecidos aos condutores antes dos demais, mas nada impede que o Estado lance mão de outras formas de identificação da embriaguez, na hipótese de negativa do motorista de se submeter ao exame.

Bellizze entende que o exame clínico é medida idônea para obter indícios de materialidade para instaurar a ação penal. O ministro explicou que o teste do bafômetro pode ser usado como contraprova do motorista, nos casos em que o condutor do veículo possua alguns sinais de embriaguez, mas tenha ingerido menos do que o limite fixado pela lei, ou tenha feito, por exemplo, uso de medicamentos. Caberá ao juiz da ação penal avaliar a suficiência da prova da embriaguez para eventual condenação.

Já há projeto de lei tramitando na Câmara dos Deputados que amplia as formas de caracterização de embriaguez ao volante.

Caso concreto

No recurso interposto ao STJ, o Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) se opõe a uma decisão do Tribunal de Justiça local (TJDF), que acabou beneficiando um motorista que não se submeteu ao teste do bafômetro. O motorista se envolveu em acidente de trânsito em março de 2008, quando a Lei Seca ainda não estava em vigor, e à época foi preso e encaminhado ao Instituto Médico Legal, onde um teste clínico atestou o estado de embriaguez.

Denunciado pelo MP pelo artigo 306 do CTB, o motorista conseguiu o trancamento da ação penal sob a alegação de que não ficou comprovada a concentração de álcool exigida pela nova redação da norma trazida pela Lei Seca. O tribunal local entendeu que a lei nova seria mais benéfica ao réu, por impor critério mais rígido para a verificação da embriaguez, devendo por isso ser aplicada a fatos anteriores a sua vigência.

 

Fotos:

O julgamento na Terceira Seção foi interrompido por pedido de vista quando já havia dois votos a favor do recurso.

Ministro Marco Aurélio Bellizze, relator: “Nem só de liberdades se vive no trânsito.”

Superior Tribunal de Justiça (STJ)
 

Notícias

Processo tramita 20 anos sem citação e juíza anula execução

Tardou e falhou Processo tramita 20 anos sem citação e juíza anula execução 14 de agosto de 2025, 12h58 Conforme fundamentação, não houve citação da parte executada no processo. Logo, o processo tramitou mais de 20 anos sem citação. Leia em Consultor...

STJ reconhece multiparentalidade em caso de gravidez aos 14 por abuso sexual

quarta-feira, 13 de agosto de 2025 STJ reconhece multiparentalidade em caso de gravidez aos 14 por abuso sexual Corte manteve guarda com pais socioafetivos e incluiu mãe biológica no registro da filha, nascida após gravidez decorrente de abuso. A 4ª turma do STJ decidiu manter acórdão do TJ/MT que...

STJ julga autorização de acesso a herança digital em inventário

Caso inédito STJ julga autorização de acesso a herança digital em inventário Caso envolve bens armazenados em computador de herdeira falecida na tragédia aérea que vitimou a família Agnelli. Da Redação terça-feira, 12 de agosto de 2025 Atualizado às 19:15 Nesta terça-feira, 12, a 3ª turma do STJ...

Advogada explica regularização por georreferenciamento em imóvel rural

Regularização Advogada explica regularização por georreferenciamento em imóvel rural A obrigatoriedade inicia a partir de 20/11 para qualquer transação imobiliária ou regularização fundiária. Da Redação segunda-feira, 4 de agosto de 2025 Atualizado às 12:02 Processos de regularização fundiária e...

Usucapião como limite temporal para reconhecimento da fraude à execução fiscal

Opinião Usucapião como limite temporal para reconhecimento da fraude à execução fiscal Antonio Carlos de Souza Jr. Roberto Paulino de Albuquerque Júnior 31 de julho de 2025, 7h04 O tribunal superior, porém, não vem analisando uma importante questão sobre a fraude à execução fiscal, qual seja:...